19 de outubro de 2010

O apego

"QUANDO amamos alguém, também amamos a pessoa na qual nos tornamos ao lado de quem amamos. Gostamos daqueles em quem nos revemos, mas também de quem nos estimula, nos desafia, nos ensina a olhar para o mundo de outra maneira. E depois, porque isso nos faz ficar mais atentos, mais lúcidos, mais qualquer coisa, gostamos de gostar daquela pessoa, sentimo-nos maiores e melhores do que pensávamos ser e é assim que se criam aqueles laços que fazem nós e que mais tarde acabam por se revelar difíceis de desfazer. Não há afecto sem apego, da mesma maneira que não há voo sem queda, nem luz sem sombra. O apego é um pau de dois bicos, tanto nos pode forrar a alma a papel de seda como dar-nos cabo dos dias se aqueles que amamos se afastam de nós.
NUMA ENTREVISTA antiga feita a Agustina Bessa Luís, ela citava o que o avô lhe ensinara: «Apoia-te sempre, nunca te agarres». Aprender a encontrar o equilíbrio entre o afecto e o apego é uma tarefa árdua e perpétua, porque queremos sempre agarrar aqueles que amamos, da mesma forma que os nossos filhos adormecem agarrados a nós ou deixamos que o cão se deite aos pés da cama. O apego é um vírus inteligente e poderoso que cresce e se multiplica de forma descontrolada, que entra em mutação para sobreviver, que se mascara de dedicação e de amizade, que raramente morre embora se possa neutralizar, correndo nas nossas veias sem cor nem forma, sempre em busca de uma circunstância favorável à materialização. E essa circunstância pode ser um olhar, um sorriso afável de alguém que nos chamou a atenção, que nos agradou e que de um momento para o outro queremos tornar próximo. São momentos de prazer difíceis de descrever quando olhamos para alguém e sentimos o sabor doce e morno do apego. Passar do apego à dependência é passar uma linha muito ténue, tão suave como a que separa a generosidade da estupidez. É preciso treinar o espírito e o coração para que o nosso afecto não se torne um peso tantas vezes insustentável para aqueles que amamos.
O problema é que precisamos dos outros para nos vermos. Sem aqueles que amamos por perto, tornamo-nos invisíveis. O amor leva-nos sempre a qualquer lado e situa-nos. Enquanto crianças procuramos instintivamente o amor e resistimos à indiferença com grande heroísmo. Depois, vivemos os primeiros amores da adolescência com todo o fervor e sem medos. A vida vai deixando as suas marcas, com umas aprendemos a amar melhor, com outras transformamos os nossos erros em hábitos.
E O APEGO cresce como uma erva daninha, quanto mais tempo passa, mais difícil se torna vermo-nos sem aquela pessoa ao nosso lado, não apenas porque a amamos e já criámos laços cheios de nós, mas porque o que somos hoje é já resultado do que vivemos, aprendemos e sentimos juntos.
Deve ser por isso que cortar laços é tão doloroso: além da perda do outro, também estamos a abdicar de um bocado de nós mesmos, daquela pessoa na qual já nos transformámos quando estamos com os que amamos. E também é disso que temos saudades."

Margarida Rebelo Pinto

obrigada M. :)

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