30 de janeiro de 2011

Amor e outros crimes em vias de perdão


"Tu nunca hás-de entender o tamanho das noites
em que gastei tudo o que havia
por dentro dos meus olhos
os rios que de ti desaguaram sempre
nas minhas veias

eu não sabia
ou talvez já o tivesse esquecido
como podem ser mortíferas as cinzas
das palavras que um dia tiveram asas

e ainda mais mortíferas as garras
que nos destroem com os pequenos medos quotidianos
a que não podemos escapar
porque as sílabas da paixão são sempre
os primeiros objectos a serem retirados do quarto
para que tudo regresse à prateleira certa
e de manhã a poeira nos vista
tranquilamente
como um hábito

e foi por isso que nessas noites morri muitas vezes
enquanto as secretas palavras de adeus alastravam
pela foz do teu desejo
e a minha pele se despia
vagarosamente
da tua"

de, Alice Vieira em "Dois Corpos Tombando na Água", pág. 85/85

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